Arquitetura, contracultura e sustentabilidade: Parte 2

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PARTE 2: ECOLOGISMO E O “SUJEITO ECOLÓGICO”

Edite Galote Carranza

Ecologia – a ciência da casa, termo cunhado pelo biólogo alemão Ernest Haeckel, em 1886, para definir a nova disciplina científica que trata das relações entre as espécies animais e o seu ambiente orgânico e inorgânico. A partir de sua vertente biológica original, esta ciência ganhou contornos multidisciplinares, designando um amplo campo de atividades cujo ponto em comum é o “pensamento ecológico”.

O pensamento ecológico possui, ao menos, quatro segmentos distintos a saber: a Ecologia Natural estuda os sistemas naturais e a dinâmica da natureza, a Ecologia Social estuda a relação entre os homens e o meio ambiente em especial a ação humana e suas conseqüências no ambiente natural, o Conservacionismo engloba o conjunto de idéias e estratégias em prol a preservação dos recursos naturais e, por último, o Ecologismo, que empreende a construção de um projeto político de “transformação social” cujo ideal busca a sociedade não opressiva e comunitária (LAGO – PÁDUA, 1984).

A década de 1960 foi especialmente importante para o “pensamento ecológico”, pois marca a ampliação dos debates que saem do âmbito acadêmico e atingem a opinião pública. Neste sentido, foi de grande importância à publicação, em 1962, do livro Silent Spring (Primavera Silenciosa), da bióloga Rachel Carson. Escrito em linguagem clara e acessível, o livro aborda a questão da degradação do meio ambiente, em especial, pelo uso de pesticidas como o DDT. A principal contribuição do livro foi o aumento da consciência pública em relação às conseqüências das atividades humanas no meio ambiente. Silent Spring é considerado, por muitos autores, como a obra inaugural da literatura ambientalista.  Contudo, uma das contribuições mais importantes para a formação do “pensamento ecológico” foi o ideário contracultural.

O ideário contracultural trouxe o questionamento e protesto a cerca das questões mais importantes da década de 60. Os jovens foram às ruas, em manifestações contra a Guerra do Vietnã, contra a corrida armamentista e os testes nucleares, e, em favor dos direitos sociais das mulheres e negros. Muitos agentes contribuíram para a formação desse ideário como por exemplo: na linha do pacifismo e não violência o poeta americano Henrry David Thoureau e o líder do movimento negro pastor Martin Kuther King; na linha de pensadores liberais e humanistas Lewis Munford; na linha de pensadores marxistas Herbert Marcuse; além dos escritores “rebeldes” da geração beat  (LAGO – PÁDUA, 1984).

Assim, podemos concluir que o Ecologismo nasce no contexto do movimento de Contracultura como um segmento de atuação política na área ambiental. Segundo afirma a educadora Isabel Cristina e Moura Carvalho, em suas palavras:

“Dessa forma , discutir o ecologismo sem situa-lo em relação à sua filiação contracultural e romântica seria reduzir a compreensão daquilo que fundamentalmente o inspira e lhe confere o clima e o tom predominante. É nesse ambiente que a crítica ecológica ao progresso e ao capitalismo industrial nas décadas de 1960 e 1970 integra um espectro amplo e complexo de contravalores que se caracteriza pelo questionamento do status quo das sociedades desenvolvidas, pela crítica aos valores da modernidade ocidental e pela busca de um novo mote de organizar a vida individual e coletiva. No ecologismo, a visão da natureza como contraponto da via urbana, tecnocrática e industrial aparece combinada com o sentimento anti-social da contestação romântica. Traços centrais do repúdio romântico à uniformidade da razão, ao seu caráter instrumental, ao individualismo racionalista e à lógica do mercado podem ser observados em certas inspirações do ideal societário ecológico que se afirma como via alternativa contraria os ideais de progresso e de desenvolvimento da sociedade capitalista de consumo.’ (01)

O mote do Ecologismo, enquanto projeto político de transformação social, cultural e econômica da sociedade, é uma vida alternativa à sociedade industrial tecnocrática, objetivando um melhor relacionamento com a natureza.  O Ecologismo é formado por um amplo espectro de ativistas – cientistas, amantes da natureza, representantes socialistas, pacifistas, ex-hippies etc (02). Neste conjunto encontramos o beat Gare Snyder – ativista até os dias atuais, criou o conceito “deep ecologism” ou ecologismo a fundo e Daniel Cohn-Benedit, líder do movimento do maio de 68, que anos mais tarde se tornou diretor de um jornal ecológico, militante do partido Verde alemão e co-presidente do grupo Verde do Parlamento Europeu.

Os primeiros resultados práticos obtidos pelo Ecologismo foram a primeira Conferência da Biosfera Biosfera (03), realizada pela UNESCO, em Paris,  em 1968, que pôs em discussão os impactos das atividades humanas sobre o planeta e a Conferência das Nações Unidas sobre o ambiente humano, realizada em 1972, na cidade de Estocolmo.  Essas conferências discutiram, pela primeira vez,  questões políticas, sociais, e econômicas geradoras dos impactos no meio ambiente. A Conferência de 1972 teve grande impacto na opinião pública daquela época, devido a publicação do relatório do grupo conservacionista, Limites do Crescimento (The Limits to Growth”) elaborada por cientistas do Massachusetts Institute od Techbology (MIT) .

Segundo José Augusto Pádua, a partir dos anos de 1980, cresce um novo movimento intermediário entre o Ecologismo e o Conservacionismo, que adquire contornos mais definidos em relação às áreas de concentração e atuação, o Ambientalismo, em suas palavras:

“de 1980 para cá, sinto que o que cresceu não foi nem o conservacionismo nem o ecologismo. Cresceu algo intermediário, que chamamos ambientalismo no sentido mais profundo e acurado da palavra: fortaleceu-se a idéia de que o conservacionismo não basta, pois são necessárias mudanças econômicas e sociais, menos racicais, porém do que os ecologistas pregaram “ (04)

O amplo espectro de atores que direta ou indiretamente estão envolvidas com as questões ambientais, como educadores, ativistas ou mesmo “simpatizantes”, podem ser classificados como “sujeitos ecológicos”, que apesar das diferenças de foco e posturas tem em comum o “ethos contracultural” conforme análise de Isabel Carvalho, em suas palavras:

{…} Ao ter como base da análise o entrecruzamento das trajetórias de vida e da tradição ambiental, adoto o ethos contracultural como parte da atualização contemporânea de um horizonte ambiental. Nesse, a contracultura aparece como matriz simbólica de grande recorrência na formação de um tipo ideal que descrevo aqui, como sujeito ecológico.” (05)

A ampla atuação dos “sujeitos ecológicos” adquire, no decorrer do tempo, maior especificidade, desde a formação dos Partidos Verdes – que levam para o âmbito das políticas públicas questões fundamentais voltadas a melhoria da relação homem x meio ambiente, até a atuação de organizações não governamentais ou independentes, como o Greenpeace (06), cuja atuação “não-violenta e criativa”, procura incentivar a mudança de atitude – de sujeitos, empresas ou governos, em prol à defesa do meio ambiente.

Na arquitetura e urbanismo, também é possível constatar os reflexos da atuação dos “sujeitos ecológicos”. A partir da década de 1960, surgem novas tendências arquitetônicas alternativas ou ecológicas e também, outras que valorizam ao máximo as possibilidades tecnológicas. Tendências que, segundo Josep Maria Montanher, surgem nos países mais avançados como Grã Bretanha, Alemanha, Estados Unidos e Japão, uma situação de grande diversidade em oposição à unidade do estilo internacional,  em suas palavras:

“[...] Si en los años cuarenta y cinuenta aún predominaba la continuidad y revisión de una tradición única – la del Movimiento Moderno – a partir de los años sesenta se asiste a uma situación de grande diversidad de posiciones.[...] eclosionan las propuestas hipertecnológicas de aquellos que quieren llevar hasta las últimas consecuencias las sugerencias de las vanguardias. Pero al mismo tiempo, mientras se desarrollan estas propuestas de alta tecnologia surgen ya voces en favor de una arquitectura alternativa y ecológica.” (07)

O Ecologismo tornou-se, portanto, um incentivo aos avanços plástico-conceituais na arquitetura contemporânea. Projetos como os de Foster and Partners, Michael Hopkins and Partners e Kenneth Yeang,  entre muitos outros, tem como mote soluções plásticas inovadoras em harmonia com as técnicas, visando edifícios sustentáveis.

Nota: Este artigo continuará nos próximos números.

[1] CARVALHO, Isabel Cristina e Moura. A invenção ecológica:narrativas da educação ambiental no Brasil.-2ed.-Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2002.P.57.

[2] (LAGO E PÁDUA, 1985, P. 10)

[3] Conferência Intergovernamentas de Especialistas sobre as Bases científicas para o Udo econservação Racionais dos Rescursos da Biosfera. Em pauta questões reacionadas a conservação da biosfera e pesquisas em Ecologia. Colaboraram, também, a Organização para Alimentação e Agricultura da União Internacional para a conservação da Natureza e dos Recursos Naturais ( UICN) e do conselho Internacional das Uniões Científicas.

[4] PADUA, José Augusto.  IN ISABEL CRISTINA P. 17

[5] CARVALHO, Isabel Cristina e Moura. A invenção ecológica: narrativas da educação ambiental no Brasil.-2ed.-Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2002.P.94.

[6] Fundado em 1971 no Canadá.

[7] MONTANER, Josep Maria. Después del movimiento moderno arquitectura de la segunda mitad del siglo XX. Barcelona: Gustavo Gili, 1993, p. 111.

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    Edite Galote Carranza
    é mestre pelo Instituto Presbiteriano Mackenzie em 2004; doutora pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP em 2013 com a tese “Arquitetura Alternativa: 1956-1979”; diretora do escritório de arquitetura e editora G&C Arquitectônica e da revista eletrônica 5% arquitetura + arte ISSN 1808-1142. Publicações em revistas especializadas, livros Escalas de Representação em Arquitetura, Detalhes Construtivos de Arquitetura e O quartinho invisível: escovando a história da arquitetura paulista a contrapelo. Professora da graduação e pós-graduação da Universidade São Judas Tadeu.
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